Quatro artistas nascidos em São João da Boa Vista, Campinas, Rio Claro e Palmares Paulista ajudaram a dar o tom da Semana de Arte Moderna
Era nos tempos da Pauliceia Desvairada. Antes do Carnaval de 1922, três dias de fevereiro (13, 15 e 17), no Theatro Municipal de São Paulo, foram repletos de som e fúria. Na plateia, um público ligado à aristocracia cafeeira e conservadora que começava a se industrializar. No palco, os modernistas – poetas, escritores, musicistas, compositores e artistas plásticos – prontos para explodir mentes, movidos por referenciais artísticos europeus de vanguarda para convertê-los numa brasilidade sem precedentes. A Semana de Arte Moderna veio como uma desconstrução dos padrões artísticos acadêmicos da
Belle Époque, nos anos anteriores à Grande Guerra (1914-1918), para entornar um caldeirão cultural e fazer vir à tona um Brasil inédito.
O evento completa cem anos em 2022 e foi o marco do Modernismo brasileiro. Com uma programação de recitais, livros, declamações, exposições de esculturas e pinturas, havia no ar o barulho ensurdecedor de uma inovação que ocupava as instalações do Theatro. Em meio a vaias, chiados, tomates, papeis atirados e até aplausos que vinham da plateia, no palco estavam nomes como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Anita Malfatti, Menotti del Picchia, Villa-Lobos e muitos outros. Havia paulistanos, estrangeiros, oriundos de outros cantos do Brasil e alguns nascidos no interior do estado, que trouxeram em sua arte um tempero todo próprio. Reunimos aqui artistas que levaram a cultura de São Paulo para o Brasil e o mundo.
Guiomar Novaes, pianista
Nascida em 1894, em São João da Boa Vista, Guiomar Novaes já era uma celebridade mundial do piano aos 28 anos quando tocou Liszt e outros compositores, diante de uma plateia lotada no Theatro Municipal de São Paulo, na Semana de 1922. Guiomar já tocava profissionalmente em salas de concerto em São Paulo aos oito anos de idade, tendo sido citada pela primeira vez no jornal “O Estado de S. Paulo”, em 1902. Foi vizinha do escritor Monteiro Lobato na capital, que se inspirou nela para a criação da personagem Narizinho, de “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”.
Aos 13 anos, passou em primeiro lugar para o Conservatório de Paris, tocando diante dos compositores Gabriel Fauré e Claude Debussy. Tocou em Versalhes diante da Princesa Isabel, que estava em exílio. Divulgou Villa-Lobos, Beethoven e Chopin em concertos na Europa e nos Estados Unidos, superando em fama o compositor Carlos Gomes, de “O Guarani”. Foi homenageada por sua cidade natal com o evento anual Semana Guiomar Novaes, superado apenas pelo Festival de Inverno de Campos do Jordão.
Guilherme de Almeida, poeta
Nasceu em Campinas e tinha 31 anos quando articulou a Semana de Arte Moderna e criou a revista “Klaxon”, ao lado de Oswald e Mário de Andrade, em 1922. Mesmo com textos parnasianos, Guilherme de Almeida divulgou o Modernismo por todo o Brasil, sendo o único modernista a virar imortal da Academia Brasileira de Letras (1930). Foi tradutor, crítico de cinema, dramaturgo, jornalista e até heraldista (desenhou brasões de várias cidades brasileiras, entre elas, São Paulo). Passou a infância no interior, foi morar na capital, formou-se em Direito em 1912, alistou-se na Revolução de 1932 e foi depois exilado em Portugal. Seus restos mortais estão no Memorial de 1932, no Ibirapuera, em São Paulo. Na Casa Guilherme de Almeida, no bairro paulistano de Pacaembu, há importante acervo relevante do Modernismo.
Inácio da Costa Ferreira (Ferrignac), caricaturista
Nascido em Rio Claro em 1892, o caricaturista assinava Ferrignac (invertendo seus nomes Ferreira e Inácio), seu desenho de humor registrou aqueles dias ruidosos e era influenciado pela Art Déco, por ter morado na Europa entre 1917 e 1920. Dominava o guache, o nanquim, colagens e técnicas mistas sobre cartão. Em 1916, formou-se em Direito no Largo de São Francisco, em São Paulo e desde cedo já colaborava com vários órgãos da imprensa (“A Cigarra”, “O Pirralho” e “A Vida Moderna”). Seu trabalho mais conhecido, “Colombina”, é de 1921. Aos 30 anos, foi convidado por Guilherme de Almeida para participar da Semana de Arte Moderna, para a qual fez um trabalho chamado “Natureza Dadaísta”. Em 1925, abandonou o desenho e entrou para a polícia.
H. Leão Velloso, escultor
Hildegardo Leão Velloso, nasceu em Palmares Paulista, em 1899 e participou da Semana de Arte Moderna de 1922, aos 23 anos, ao lado de escultores como Victor Brecheret e W. Haerberg. O escultor, que assinava as suas obras como H. Leão Velloso, foi quem elaborou em 1925, com o francês Jean Magrou, as esculturas em mármore de Carrara dos túmulos do Imperador D. Pedro II e da Imperatriz Teresa Cristina, em Petrópolis. Muitas de suas obras encontram-se por todo o Brasil, entre monumentos, estátuas, bustos e memoriais. Em 1949, Leão Velloso entra para a cadeira de Escultura da Escola Nacional de Belas Artes, na qual exerceu livre-docência a partir do ano seguinte.
Outros paulistas do período modernista
Tarsila do Amaral, pintora
Tarsila nasceu em Capivari, em 1886, foi um dos nomes mais importantes do Modernismo brasileiro e ajudou a conceber, ao lado de Oswald de Andrade, todas as etapas posteriores do Modernismo (“Pau Brasil”, “Antropofagia” e “Social”). A pintora, que criou quadros como o famoso “Abaporu”, não participou dos eventos no Theatro Municipal de São Paulo, em 1922; estava em Paris. No entanto, ela foi um dos eixos de ligação dos modernistas com os movimentos culturais europeus (dadaísmo, cubismo, surrealismo e outros), sendo amiga de artistas como Picasso e Blaise Cendras. Sua obra tornou-se um dos símbolos icônicos do Modernismo.
Monteiro Lobato, escritor
Nascido em Taubaté (em 1882), o escritor e editor Monteiro Lobato ficou mais conhecido por ser o criador dos personagens Jeca Tatu e do Sítio do Pica-Pau Amarelo, no entanto, foi um violento crítico às propostas artísticas da Semana da Arte Moderna. Anos antes, em 20 de dezembro de 1917, Monteiro Lobato escreveu para “O Estado de S. Paulo” uma crítica sobre a vernissage da pintora (modernista) Anita Malfatti, que acabara de voltar da Europa e dos Estados Unidos com ideias novas sobre pintura e representação artística. A crítica do escritor “A propósito da exposição Malfatti” ficou mais conhecida como “Paranoia ou Mistificação?” e causou barulho, à época. No texto, Lobato elogiava o talento da pintora, mas criticava os “ismos” vanguardistas europeus, embora o próprio Oswald de Andrade sempre tivesse admirado o escritor.
Ribeiro Couto, escritor
Poeta, ensaísta, jornalista, Ribeiro Couto nasceu em Santos em 1898. Como o poeta amigo Manuel Bandeira, também não foi ao Theatro Municipal de São Paulo durante a Semana de Arte Moderna, embora tivessem seus poemas lidos no palco. Ribeiro Couto que, entre outras coisas, escrevia poesia em francês, foi o autor do romance “Cabocla”, que teve três adaptações para a televisão (na Tupi, em 1959 e na Globo, nas versões de 1979 e 2004). Desafeto de Mário de Andrade - um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna –, Ribeiro Couto mantinha respeito pelos mestres parnasianos e simbolistas, das escolas que os modernistas negavam.
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